Os agentes da PN Júlio Tavares e Mário Lúcio de Barros correm o risco de enfrentar um tribunal militar na Guiné-Bissau, numa altura em que começou, nos Estados Unidos, o julgamento do Contra-Almirante Bubo Na Tchuto, acusado de pertencer a uma rede de narcotráfico. Uma coincidência que pode atiçar a sede de “justiça” do Governo de Bissau, que dá claros sinais de querer levar o caso até às últimas consequências.
Cabo Verde terá sérias dificuldades em resolver o conflito que o opõe à Guiné-Bissau pela via judicial. O problema, segundo um ex-Procurador da República, é que o poder instituído em Bissau está a agir à margem da lei em relação aos dois agentes da PN detidos inicialmente por suspeita de espionagem e, sendo assim, o canal apropriado a ser usado é o político-diplomático.
“Os dois policiais não passam neste momento de dois peões usados num perigoso jogo político. Ora, se Cabo Verde quer solucionar este caso depressa, como o Governo tem deixado entender, a via judicial não é a mais indicada, por ser demorada e estarmos perante uma força dominante que não respeita a sua própria lei. Passadas duas semanas sobre o incidente, o Ministério Público nem sequer conseguiu sustentar uma acusação contra eles e decidiu remeter o caso para o Tribunal Militar”, frisa o jurista, que considera uma perda de tempo envolver, neste momento, o Tribunal da CEDEAO neste processo. No entanto, o Palácio da Várzea deveria suscitar a enérgica intervenção de certos organismos internacionais, como a União Africana, a CPLP, a ONU e a própria Comunidade Económica da África Ocidental, perante a clara intenção do Governo de Transição da Guiné-Bissau de levar o caso às últimas consequências.
Entregar os agentes da PN detidos em Bissau nas mãos de um Tribunal Militar, como pretende o Procurador-Geral da República Abdu Mané, é, na perspectiva de uma alta patente das Forças Armadas cabo-verdianas, uma cartada perigosa de um poder autoritário e sem legitimação. Mais uma prova, a seu ver, de que o Governo liderado por Rui Duarte de Barros quer obrigar os agentes a pagar o pato pelos incidentes diplomáticos registados entre Praia e Bissau desde o último golpe de Estado nesse país vizinho, em 2012. “Acontece que os agentes não cometeram nenhum crime e não podem ser submetidos a julgamento, quanto mais perante um tribunal militar. Isso só seria possível se tivessem participado numa missão de cariz militar, por exemplo, inseridos numa operação da ONU ou noutro organismo”, exemplifica o oficial militar, que não arrisca nenhum prognóstico sobre o fim desta novela.
A actual situação, nas suas palavras, é muito delicada porque a Guiné-Bissau não é um Estado de Direito Democrático e nem está a dar sinais de querer respeitar a sua própria lei. Se o processo for resolvido por uma instância militar, a nossa fonte teme que a sentença possa ser pesada para os dois agentes. É que, apesar de ainda não haver uma acusação formalizada pelo Ministério Público contra os policiais, corre a informação de que o Governo de Bissau pondera levá-los a julgamento por crimes contra a segurança do Estado.
“Em qualquer país, esta acusação é grave. Repara que começaram a ser suspeitos de espionagem. Esta versão não colou, passaram a acusá-los de tráfico de droga. Depois disseram que, afinal, o crime eram falsas declarações; agora já são suspeitos de atentado à segurança do Estado da Guiné-Bissau. Isto tudo prova duas coisas: que Bissau anda às apalpadelas e que está empenhado em descarregar o seu ódio contra Cabo Verde sobre esses dois policiais”, comenta uma fonte ligada à segurança cabo-verdiana, acentuando que as sentenças dos tribunais militares são, normalmente, mais pesadas que as das instâncias civis. Nalguns países, lembra, podem até decretar a pena de morte. Mas esse não é o caso da Guiné que, segundo essa fonte, baniu essa condenação.
O quadro vivido neste momento é de pura conjectura, na perspectiva desse elemento ligado aos serviços de segurança em Cabo Verde. O facto que mais preocupa agora é o estado de saúde dos dois agentes. É que um deles é epiléptico e hipertenso e o outro começa a dar sinais de depressão.
Confrontada com esse cenário, a ministra Marisa Morais garantiu que os policiais – além de contarem com a advogada contratada pelo Estado de Cabo Verde – estão a ser medicados. “Continuamos confiantes na resolução do problema. Volto a frisar que avaliamos os cenários e a nossa intervenção continua firme no terreno”, respondeu a ministra da Administração Interna quando pedida para comentar a informação segundo a qual os policiais podem ser levados a um tribunal militar e terem, por isso, dificuldades acrescidas para provar a sua inocência.
Por coincidência ou não, o Contra-Almirante guineense Bubo Na Tchuto, preso perto das águas territoriais cabo-verdianas por suspeita de narcotráfico, começou a ser julgado, ontem, nos Estados Unidos. A captura do suspeito foi consumada no dia 2 de Abril por forças da Drug Enforcement Administration, mas Bissau acredita que os policiais norte-americanos foram ajudados por dois agentes cabo-verdianos.
E tudo indica que chegou o momento de Bissau retaliar. Na altura dos acontecimentos, recorde-se, o Executivo da Guiné demonstrou o seu desagrado pela suposta colaboração da cidade da Praia concedida aos norte-americanos e acusou Cabo Verde de ser um “mau vizinho”. Essa declaração colocou a nu o nível das relações diplomáticas entre os dois países, até aqui considerados irmãos, pelo que Cabo Verde encara agora com certa apreensão as contas de causa – efeito que o julgamento de Na Tchuto em Nova Iorque pode ter na situação dos agentes.
Missão provada
A missão dos policiais a Bissau já foi comprovada pelos Serviços de Emigração e Fronteiras, que disponibilizaram à sua congénere guineense os documentos sobre a condenação e o repatriamento da cidadã Enide Tavares para Guiné-Bissau, escoltada pelos dois policiais de segurança. Todos os comprovativos, inclusive os disponibilizados pela companhia Air Maroc indicando o número do assento atribuído no avião a Enide Tavares, foram repassados a Bissau. Mas, mesmo assim, as autoridades guineenses não parecem dar sinais de estar satisfeitas.
Esta semana, o próprio Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, mostrou-se preocupado com o rumo dos acontecimentos. Segundo Fonseca, ele e o Primeiro-Ministro José Maria Neves estão a acertar passos, visando garantir a protecção necessária aos policiais Júlio Tavares e Mário Lúcio de Barros.
Se em Cabo Verde o incidente está a provocar stress na sociedade e nas hostes políticas, na Guiné-Bissau ameaça fazer rolar cabeças. Informações divulgadas na imprensa indicam que o director da Policia Judiciária corre o risco de ser demitido, por ter recusado dar uma conferência de imprensa para acusar os dois agentes da PN, tal como lhe foi exigido pelo PGR Abdu Mané e o Ministro da Justiça. Aguarda-se, pois, pelos novos capítulos desta novela “rasca”, que não parece ter fim à vista.
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