A intenção deveria ser tentar evitar os conflitos: mas desde que isso não está em nosso poder, podemos ver quais zonas do planeta reúnem as condições para tornar-se novas frentes. E há um País que parece ser o melhor candidato neste aspecto: o Yemen.
A República do Yemen é um País muçulmano que ocupa a parte sul da Península Arábica. É rodeada pelo Mar Vermelho, o Golfo de Aden e o Mar da Arábia. Faz fronteira com o Omã e a Arábia Saudita. A capital é Sanaa. Todas cosias que é possível encontrar em qualquer enciclopédia.
O Yemen é um País tradicionalmente pobre e dividido em diferentes grupos étnicos, sobretudo os Hashid e os Bakil. O confronto entre o partido único (o Congresso Geral do Povo) e o ramo iemenita da Irmandade Muçulmana é uma constante na vida política. O Congresso Geral do Povo tem sido ao longo das décadas a face política da ditadura secular, enquanto a Irmandade Muçulmana prefere um governo mais islâmico, embora não seja claro quanto mais democrático.
Desde janeiro de 2011, coincidindo com a propagação dos protestos no mundo árabe, começaram as agitações no Yemen, que tinham como objectivo derrubar o poder de Ali Abdullah Saleh, no poder de forma contínua desde 1978. Apesar de Saleh ter tentado acalmar os manifestantes, os militares dispararam sobre a multidão na praça central em Sanaa, matando pelo menos 50 pessoas.
Embora o governo alegou não ter nada a ver com o banho de sangue, o massacre tem servido para estimular a queda de Saleh e para iniciar um período de instabilidade que reforçou os líderes dos grupos étnicos: lentamente, tornaram-se autênticos senhores da guerra enquanto ficaram fortalecidos os grupos armados islâmicos. Há muitas diferenças entre os vários grupos, mas no Ocidente tendem a ser agrupados sob o rotulo genérico de Al-Qaeda, sem muitas distinções.
A queda do ditador não melhorou em nada a situação da população, economicamente ou em termos de paz e segurança. Os ataques terroristas contra os civis ocorrem com frequência e o País parece à beira de explodir.
A importância geoestratégica da Península Arábica, onde qualquer tentativa de revolução islâmica poderia espalhar-se para a Arábia Saudita (o que significa: capacidade de exportar petróleo) implica que os serviços secretos dos Países ocidentais estão a trabalhar no território iemenita em busca de uma estabilidade que não têm ideia de como alcançar.
As causas
As causas deste conflito estão além das questões políticas.
Apenas 1% da área total é irrigada. Com este tipo de geografia física, o Yemen agora é forçado a importar 95% dos cereais e 82% de todos os alimentos consumidos no País. E o pior é que os dados são reconhecidos pelo governo iemenita. Em outras palavras: não há comida suficiente para 24 milhões de habitantes.
Como o Yemen chegou a este ponto?
Eis o gráfico da evolução demográfica no País, o que é muito revelador:
Apesar do gráfico ir só até 2008, é evidente o crescimento da linha da população. E é um crescimento sem sentido num País sem recursos alimentares: o Yemen em 1980 tinha menos de 10 milhões de habitantes e hoje, após mais de 30 anos, esse número duplicou amplamente. Mas, ao mesmo tempo, nada foi feito para aumentar os recursos alimentares: o deserto ficou deserto, a riqueza foi simplesmente acumulada até o colapso financeiro global de 2008. Aí, a base do País revelou-se fraca demais para suportar uma tal população.
90% das exportações totais do País vêm do petróleo. Da mesma fonte chega o 74% de todos os impostos cobrados pelo governo, seja na forma de direitos sobre a exploração ou o refino e o consumo. E aqui começam os problemas: petróleo e um Estado corrompido pelas multinacionais, um governo incapaz de controlar um território complexo.
Resultado: a comida que os iemenitas comem absorve metade das receitas do petróleo. Há depois os gastos com a segurança pública, as (escassas) infra-estrutura ou os (limitados) serviços prestados.
Outro gráfico:
A produção dos poços de petróleo declina rapidamente, por razões naturais e por falta de investimentos na exploração de novos campos, muito mais caro e com uma produção de qualidade inferior. Ao mesmo tempo, a economia iemenita, que consome cada vez mais petróleo, deixa cada vez menos barris para a exportação.
Dado que o exportado é a diferença entre o produzido e o consumido internamente, com o gráfico temos uma ideia clara do que está a acontecer com as finanças do País: não é possível continuar a comprar comida, que custa, com um governo praticamente falido.
Paradoxalmente, são os grupos tribais os únicos que podem dar um pouco de apoio real aos indivíduos, enquanto a debilidade financeira do governo permite que em grande parte do território apareçam os senhores da guerra e os líderes radicais.
No meio de tudo isso, eis que aparece o Ocidente preocupado com Al-Qaeda. Ninguém fala da miserável condição dos habitantes ou dos problemas dum governo corrupto: é Al-Qaeda que preocupa, é o radicalismo religioso. Por isso, eis os drones que esvoaçam para abater os inimigos da democracia. Uma democracia que o Yemen nunca conheceu.
Mas não há nada de religioso: é normal que as pessoas fiquem mais radicalizadas perante uma situação que piora constantemente. Se por enquanto o Yemen está ainda em paz (mais ou menos), isso é apenas por causa do fluxo de dinheiro injectado pelas monarquias do Golfo, assustadas pela ideia que os distúrbios possam espalhar-se para fora das fronteiras; e por causa das multinacionais, empenhadas a sugar até a última gota de petróleo disponível.
Mas isso não pode durar muito tempo. E,uma vez esgotado o petróleo, será o inferno para algumas dezenas de milhões de pessoas.
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