terça-feira, 10 de setembro de 2013

O tempo roubado

Na Suíça, no prazo de poucas semanas, dois gestores de topo cometeram suicídio: Pierre Wauthier ,53 anos, director financeiro do gigante dos seguros Zurich, e Carsten Schloter, 49 anos, líder da Swisscom Telecomunicações.


Wauthier estava a ser pressionado pelo chefe dele para alcançar objectivos cada vez mais elevados, até que, desperado, decidiu matar-se.
Schloter, por seu lado, deixou escrito:
Você não pode ficar ligado ao trabalho 24 horas por dia, você não pode esquecer a família, você não pode esquecer as crianças, você não pode esquecer a sua vida.
O actual modelo de desenvolvimento tem conseguido na admirável empresa de tornar doente até quem é suposto estar melhor do que os outros. Imaginemos os outros.

Na base está a competição económica, conceito quase desconhecido antes da Revolução Industrial, e as consequências devastadoras enfatizadas pela globalização; um fenómeno que também deu os primeiros passos nos meados do século XVIII, mas hoje atingiu a plena maturidade com a adopção do modelo de desenvolvimento ocidental em quase todos os Países do mundo.


Uma competição entre os indivíduos, entre as empresas, entre os Estados.

Admiramos o desenvolvimento da China, a capacidade de dedicar-se ao bem da empresa: mas esquecemos que desde que na terra de Confúcio começou o boom económico, o suicídio é a principal causa de morte entre os jovens e a terceira entre os adultos. Na fábricas chinesas, onde as pessoas trabalham 16 horas por dia, tiveram que pôr redes para evitar que as pessoas se atirassem dos telhados.
Antes tinham apenas uma tigela de arroz, mas viviam.

Os clássicos da economia liberal, Adam Smith e David Ricardo, argumentavam que a concorrência é uma coisa boa porque reduz os preços e aumenta os benefícios do consumidor (outra figura surgida nos tempos modernos). Mas não é isso que aconteceu.


Baixaram os preços das inutilidades, isso sim: um telemóvel pode ser comprado por 10 Euros.

O telemóvel é um objecto inútil? Nada disso, mas hoje já todos temos um. E, apesar de poder parecer inacreditável aos olhos dos mais jovens, ainda vivem pessoas (como quem escreve) que cresceram num mundo sem telemóveis. E, espantosamente, conseguiram sobreviver.

Os preços dos bens essenciais? Alimentação, vestuário, alojamento?

Uma casa usada no centro de Lisboa (nas proximidades da Avenida Almirate Reis, não propriamente uma zona "chic"), 3 assoalhadas com despensa, logradouro, sala, corredor, dois quartos e uma casa de banho, num prédio sem elevador, custa 111.000 Euros. Considerado que o ordenado médio em Portugal é de quase 900 Euros, é só fazer as contas.

Apesar disso, continuamos alegremente a viver segundo o pensamento de Ludwig von Mises, segundo o qual não é bom contentar-se com quanto já temos. É preciso ir além, obter mais, sempre, alcançando assim um estado de eterna frustração e infelicidade (mas justificando plenamente a competitividade). Perdendo a saúde e um bem particularmente precioso e insubstituível: o tempo.


É dito que uma das grandes conquistas da sociedade civil é o dia de trabalho de 8 horas. Certeza?


Sem dúvida foi um bom resultado quando comparado com os turnos em vigor desde o começo da Revolução Industrial. Mas antes, como era?

Antes da Revolução Industrial

A vida para o camponês medieval não era simples, disso não há dúvida: a vida era marcada pelo medo da fome, da doença, das guerras. A dieta e a higiene pessoal deixavam muito a desejar. Duma gripe morria-se.


Mas, apesar desta condição miserável, uma coisa podemos  invejar-lhe: as férias.

Lavrar os campos e colher os frutos do trabalho eram tarefas árduas, mas o agricultor podia desfrutar entre oito semanas e seis meses de descanso por ano.

A Igreja, consciente da necessidade de manter a população longe da rebelião (não trabalhar deixa mais tempo para pensar) frequentemente ordenava festas obrigatórias. Um casamento ou um nascimento significavam uma semana de repouso para digerir a cerveja e comemorar, e quando na aldeia chegavam as feiras, para o agricultor era previsto o tempo livre para o entretenimento.

Havia os domingos de folga e quando as estações de arar e recolher estavam acabadas, o camponês tinha tempo para descansar. A economista Juliet Shor descobriu que durante os períodos de salários particularmente elevados, como na Inglaterra do século XV, os camponeses podiam trabalhar ao longo de 150 dias por ano. Só 150 dias.

E para o moderno trabalhador? Na Europa, depois de 12 meses de trabalho, há 22 dias de férias. Nos Estados Unidos uma média de oito dias.

Não era suposto acabar assim: o economista John Maynard Keynes, um dos fundadores da moderna economia, fez uma famosa previsão, segundo a qual em 2030 as sociedades avançadas teriam sido suficientemente ricas para que o lazer, e não o trabalho, caracterizasse o estilo de vida nacional. Em 2013 assim não é.


O que aconteceu ? A simples verdade é que a "vitória" da moderna jornada de oito horas é uma  aberração: acabou com a semana de trabalho de 70 ou 80 horas, sem dúvida, mas não foi uma autêntica "conquista": há 400 ou 500 anos atrás, a maior parte das pessoas não trabalhava ao longo de tanto tempo.


O ritmo mudou também: o camponês medieval tinha o seu tempo para fazer as refeições e durante o dia muitas vezes era incluindo o período para um curto sono à tarde (a siesta espanhola). O ritmo da vida era lento, mais agradável, o ritmo do trabalho era descontraído. Os nossos ancestrais não eram ricos, de certeza, mas tinham muito tempo livre.


Na Idade Média, o tempo não estava à venda, a vida das pessoas, e não apenas aquela dos agricultores, era marcada pelo ritmo das estações do ano, das colheitas, o conceito de "férias" nem existia porque não havia o conceito de trabalho como conhecido após a industrialização.

Tudo isso significa que temos de voltar ao estilo de vida da Idade Média? Há quem deseje isso.

Na minha opinião a resposta é "não".

Se eu partir uma perna, estou feliz pelo facto de existir um hospital (e se não partir uma perna fico ainda mais feliz, diga-se de passagem). Considero internet uma mais valia nas nossas vidas. Sei que há umas leis que (mais ou menos) defendem alguns direitos pessoais. E gosto de viajar: de comboio, de carro, de avião.

São apenas alguns exemplos, mas são todas coisas que não existiam na Idade Média. E, sejamos honestos, que fariam falta caso não existissem.

Recuso a ideia de que "a sociedade moderna é uma porcaria, então volto a viver como o homem das cavernas". Esta é auto-flagelação pura e não tenho a vocação do mártir.

Mas entre uma sociedade onde as férias eram muitas mas vivia-se até os 40 anos de idade e uma onde podemos chegar aos 80 mas com ritmos alucinados, não haverá algo no meio?


Horas anuais de trabalho ao longo dos séculos

(calculadas com base nos trabalhos de pesquisas citados no artigo de Juliet B. Schor):

1200, adulto camponês, Reino Unido: 1620 horas 
1300, trabalhador, Reino Unido: 1440 horas
1400-1600, camponês ou mineiro, Reino Unido: 1980 horas
1840, trabalhador médio, Reino Unido: 3105-3588 horas
1850, trabalhador médio, EUA: 3150-3650 horas
1987, trabalhador médio, EUA: 1949 horas
1988, trabalhador médio, Reino Unido: 1856 horas


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