O sol do Verão de 2013, longe de ter trazido a calma que alguns esperavam, continuou a aquecer ao rubro as finanças, a economia e sobretudo a geopolítica mundial. O pomo da discórdia sírio mostrou a que ponto a comunidade internacional perdeu a sua unidade. Os noticiários económicos, apesar de todos os artifícios possíveis, recusam-se obstinadamente a anunciar a retomada tão esperada; a guerra das moedas prosseguiu com força, afectando directamente os países emergentes; as taxas das obrigações soberanas estão agora fora de controle...
O Outono que se aproxima não acalmará o jogo, infelizmente. A reabertura política verifica-se sob tensão em Washington, entre discussões sobre a Síria, votação do orçamento, tecto do endividamento, etc. As dissensões extremas entre democratas e republicanos fazem-na a reabertura de todos os perigos. A reabertura financeira não o é menos, com a famosa tapering (diminuição progressiva) na ordem do dia, ou seja, a diminuição progressiva do programa de facilidade quantitativa do Fed que no entanto carrega a economia nos braços; com as sequelas da falência de Detroit e com os grandes bancos ocidentais que por necessidade retiram seu apoio ao governo americano.
Finalmente, a reabertura geopolítica, também ela, promete ser movimentada: os países emergentes, escaldados pelas operações especulativas com as suas moedas, não vão certamente ficar de braços cruzados, o que promete um belo fogo de artifício no mercado dos câmbios, e eles desejarão além disso aproveitar a sua vitória no assunto da Síria para aumentar suas prerrogativas.
Plano do artigo completo:
1. O folhetim político reinicia-se em Washington
2. O Fed perde o controle
3. O próximo Chipre será americano
4. Os bancos abandonaram o Tesouro
5. O grande bluff sírio
6. De mal a pior
7. Perda de influência dos EUA
8. Emergentes: sequência e fin do processo de desconexão das economias ocidentais
9. Japão: recentragem regional
10. A Europa na encruzilhada dos caminhos
11. O barco à deriva da governação mundial
Neste comentário público apresentamos as partes 1, 2 e 3.
O folhetim político reinicia-se em Washington
Já haviam sido quase esquecidas as divergências entre democratas e republicanos de tão carregada que está a actualidade internacional. Mas aqueles que seguem ansiosamente os desenvolvimentos do folhetim "alerta em Washington" ainda ficarão em suspense durante longas semanas[1] . Entre discussões sobre a Síria (doravante sem quaisquer apostas mas que, como veremos, testemunham o golpe de poker ocidental do Verão), sobre o orçamento de 2014 e o tecto da dívida, os republicanos vão utilizar todo o seu poder de bloqueio para obter um máximo de concessões por parte de Obama. Não é preciso dizer que eles estão prontos para um verdadeiro estrondo, quer sacrificando a reforma do sistema de saúde dos EUA ou fazendo cortes drásticos em outras despesas sociais (ou melhor, ambos) [2] .
Evidentemente, diante dos perigos que a ausência de um acordo sobre estas questões representa [3] , ninguém duvida que será encontrado um compromisso no último minuto, ou mais provavelmente algumas horas ou mesmo alguns dias após a data limite. Este compromisso agravará ainda mais a pressão sobre os milhões de americanos que dependem das ajudas sociais [4] . Entretanto, o espectáculo dos Estados Unidos dilacerados que se nos vai apresentar é um novo golpe duro dado na credibilidade do país, um febre suplementar inútil nos mercados, um jogo bastante inoportuno com os nervos dos credores estrangeiros e em primeiro lugar da China. Será esta cacofonia excessiva que porá um fim à fraca confiança do que resta da primeira potência mundial. E sem confiança, o país perde tudo o que o mantém vivo.
Infelizmente, os leitores do GEAB sabem que isto é consequência directa da degradação inelutável da influência dos Estados Unidos, assunto ao qual retornaremos pois trata-se de uma grelha de leitura indispensável para compreender as evoluções mundiais em curso.
Em duas palavras: a política americana dos próximos meses constitui a primeira das três fagulhas susceptíveis de incendiar mecha conectada ao barril de pólvora de uma economia mundial que ainda não cortou totalmente o cordão umbilical com o tio Sam.
O Fed perde o controle
Mais grave: como havíamos anunciado reiteradamente, as taxas dos títulos do Tesouro dos EUA doravante estão fora de controle. Apesar dos 45 mil milhões de dólares de obrigações públicas compradas todos os meses pelo Fed, apesar de uma emissão reduzida de títulos do Tesouro graças à diminuição do défice orçamental da administração federal, as taxas continuam a subir. Se fossem apenas rumores de redução da QE3, por um lado elas teriam começado sua alta depois destes, o que não é o caso; por outro lado, que um rumor de redução de 10% da QE3 provoque uma alta das taxas de mais de um ponto de percentagem na obrigação a 10 anos constitui um mau presságio para o que se passará quando o Fed tiver de parar completamente o seu apoio.
Compreende-se assim que o Fed já não domine mais nada e que seus efeitos de anúncio a posteriori sirvam apenas para fazer acreditar que ele controla a situação. De qualquer modo, este QE3 é completamente inútil para a economia real uma vez que não sustenta senão a formação de uma bolha nos mercados financeiros e no imobiliário (5). Eis porque ele não reluta demasiado em reduzi-lo disfarçando-os como uma consequência de uma suposta consolidação da economia. Tudo isso não é senão uma questão de imagem, a única coisa que o Fed ainda consegue manter neste momento.
Na realidade, o Fed não tem realmente outra opção: além do seu balanço que cresce perigosamente, na opinião geral agora o remédio é considerado pior que o mal ao repelir incessantemente a confrontação com a realidade e a explosão das bolhas acima mencionadas. Sem falar, naturalmente, da pressão política sem dúvida exercida pela China e outros países. Além disso, o Fed deve acima de tudo preservar o papel internacional do dólar, o que é vital para a economia americana que não sairia ilesa de uma mudança da moeda de reserva internacional: isso exige nomeadamente manter seu valor e para isso aumentar a atractividade das obrigações EUA. Assim, é notável constatar que apesar dos rumores de uma diminuição gradual a partir de Setembro [6] que reduziria a quantidade de dólares impressos a cada mês, apesar dos rumores de guerra na Síria que habitualmente teriam provocado uma "fuga para o dólar", este não tenha aumentado face ao Euro, prova de que ele tem realmente necessidade de um impulso para evitar uma depreciação brutal extremamente danosa. Voltaremos a tratar da ausência de "fuga para a segurança" provocada pelo risco de um ataque à Síria, sinal revelador de uma mudança de estado de espírito muito inquietadora para os Estados Unidos.
Esta perda de controle das taxas é a segunda fagulha próxima do barril de pólvora, uma fagulha que mais se parece a um maçarico.
A próxima Chipre será americana
Mas não são apenas as obrigações federais que estão em queda livre. Na sequência da falência de Detroit, o mercado dos Munis (obrigações municipais americanas) também está extremamente tenso (7) como se vê na figura seguinte.
É uma situação alarmante para numerosas cidades americanas que vai inevitavelmente levar a outras falências atroadoras nos próximos meses. Se se separar as dívidas municipais e nacionais, os números parecem melhores mas duplicam-se os riscos.
Dentre as próximas vítimas na lista dos mercados parece figurar Porto Rico, que já se debate com taxas insustentáveis [8] . Isso tem semelhanças com o caso cipriota, salvo que esta ilha é três vezes mais povoada. E aquilo não se passa na Europa e sim na esfera americana. Apostamos que desta vez aquela ilha será considerada como insignificante, ao contrário do que aconteceu em Chipre.
Fonte: http://resistir.info/
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