sábado, 12 de outubro de 2013

Joseph Atwill: A invenção de Jesus

Uma notícia clamorosa apareceu nos últimos dias. Talvez demasiado clamorosa: mas vale a pena cita-la e pensar acerca do assunto.

O especialista da Bíblia norte-americano Joseph Atwill vai aparecer na frente do público britânico pela primeira vez em Londres, no próximo dia 19 de Outubro, para apresentar uma nova e controversa descoberta: antigas confissões recém-descobertas mostram, de acordo com Atwill, que o Novo Testamento foi escrito por aristocratas romanos do primeiro século depois de Cristo, aristocratas que fabricaram toda a história de Jesus.

A apresentação será parte dum simpósio intitulado Covert Messiah em Conway Hall, em Holborn (Londres).

Embora para muitos estudiosos a teoria possa parecer extravagante, Atwill acredita que as provas são conclusivas e está confiante de que a aceitação é apenas uma questão de tempo:
Apresento o meu trabalho com uma certa ambivalência, já que eu não quero causar qualquer dano directo aos Cristãos, mas isso é importante para a nossa cultura. Os cidadãos precisam de saber a verdade sobre o nosso passado para que possamos entender como e porque os governos criam histórias falsas e falsos deuses. Muitas vezes fazem isso para alcançar uma ordem social que é contra os interesses das pessoas comuns.
Sem dúvida, mas esta é uma observação genérica, vamos descobrir algo mais.
Atwill argumenta que o Cristianismo começou não como uma religião, mas como um sofisticado projecto de governo, uma espécie de exercício de propaganda utilizado para pacificar os cidadãos do Império Romano:
As setas judaicas na Palestina na época, que estavam à espera de um profetizado guerreiro Messias, foram uma constante fonte de violenta revolta durante o primeiro século. Quando os Romanos esgotaram os meios convencionais contra a rebelião, passaram a guerra psicológica. Teorizaram que a maneira de travar a propagação da actividade missionária judaica foi a criação dum sistema de crenças concorrente.
É esta a altura em que a história do Messias "pacífico" foi inventada. Em vez de inspirar guerra, este Messias rogou o pacifismo, dar a outra face e encorajou os judeus a "dar a César" e pagar os impostos a Roma. Explica Atwill:
Jesus foi baseado numa pessoa real da história? A resposta curta é "não", na verdade ele pode ser o único personagem fictício da literatura, cuja inteira história de vida pode ser atribuída a outras fontes. Uma vez que estas fontes são postas a nu, não falta nada.
A suposta descoberta de Atwill foi feita enquanto estava a estudar "Guerra dos Judeus" de Flávio Josefo [Titus Flavius Iosephus, militar e historiador: é dele o único relato histórico sobrevivente da Judeia no I século d.C., ndt] e o Novo Testamento.
Comecei a notar uma série de paralelismos entre os dois textos. Embora tenha sido reconhecido há séculos por estudiosos cristãos que as profecias de Jesus parecem ter sido cumpridas no que Flávio Josefo escreveu na Primeira guerra judaico-romana, eu estava a ver dezenas de outros. O que parece ter escapado a muitos estudiosos é que a sequência de eventos e lugares do ministério de Jesus é mais ou menos a mesma de que os eventos e locais da campanha militar de Titus Flavius ​[o​ imperador, ndt] , conforme descrito por Flávio Josefo. Esta é uma evidência clara de um projecto deliberadamente construído. A biografia de Jesus foi construída, totalmente, com base em histórias anteriores, mas especialmente com base na biografia de um César romano.
Como foi possível que estes dados passassem despercebidos ao longo deste tempo todo? Responde o estudioso:
Muitos dos paralelismos são conceituais ou poéticos, de uma forma que não é óbvia. Afinal, os autores não desejavam que o crente médio pudesse ver o que estavam a fazer, mas queriam que o leitor atento entendesse. Um instruído da classe dominante romana teria provavelmente reconhecido o jogo literário.
Atwill argumenta que pode demonstrar que:
Os Césares romanos deixaram uma espécie de quebra-cabeça literário que tinha de ser resolvido pelas gerações futuras, e a solução deste enigma é "Nós inventamos Jesus Cristo, e estamos orgulhosos disso".
Este é o início do fim do Cristianismo?
Provavelmente não, mas o que o meu trabalho tem feito é dar a permissão aos muitos que estão prontos para deixar a religião, para dar um corte limpo. Agora temos provas para mostrar exactamente donde a história Jesus chegou. Embora o Cristianismo pode ser um conforto para alguns, também pode ser muito prejudicial e repressivo, uma forma insidiosa de controle da mente que levou à aceitação cega de servidão, pobreza e guerra ao longo da história. Ainda hoje, especialmente nos Estados Unidos, é usado para criar apoio na guerra do Oriente Médio.
Joseph Atwill é, de facto, um estudioso da Bíblia e escreveu dois livros acerca do assunto: Caesar's MessiahThe Single Strand, ambos bem sucedidos.
O problema não e este.

Historicidade de Cristo

Vamos esquecer qualquer assunto de ordem espiritual, vamos falar apenas da historicidade.

Até hoje não há uma prova definitiva acerca da existência de Jesus.

As provas de fontes cristã não fazem muito sentido, pois é como pedir a um adepto da Sampdoria qual o melhor clube do mundo: claramente o adepto responderá "Sampdoria" (o que, por acaso, é a resposta correcta).

Depois há as provas dos autores não cristãos, entre os quais a mais importante sempre foi considerado o testemunho do mesmo Flávio Josefo, que no textoAntiquitates Judaicae (Antiguidades Judaicas) reporta três referimentos acerca de Jesus. O problema é que há muito é sabido como o texto original foi alterado ao longo do Idade Média, em particular na parte conhecida como Testimonium Flavianum (XVIII, 63-64).
Outras alegadas provas:
  • Talmud de Babilónia (que todavia foi escrito apenas no V século d.C.)
  • Sepher toldos jeschut (séc. II) 
  • Sextus Iulius Africanus (séc. III d.C.) o qual cita Tallo (séc. I d.C.) o qual diz ter ouvido da crucificação de Jesus (e se esta é uma prova...)
  • uma carta de Plínio o Jovem (séc. II d.C.) na qual é citado o nome de Cristo
mais outros escritos romanos que citam os Cristãos ou as crenças deles: Tácito, Svetónio, Dione Cássio, Tertulliano, o imperador Adriano e mais ainda.

O que importa realçar é que não existe um único escrito contemporâneo que testemunhe da existência de Jesus, sendo que as primeiras notícias acerca dos Cristãos são do 64 d.C., com os escritos do historiador romano Tácito.

Este ausência de relatos contemporâneos é bastante esquisita, pois estamos a falar dum indivíduo (com respeito falando) que ia dum lugar para outro multiplicando o vinho, ressuscitando os mortos, tratando os leprosos...o que não devia ser um espectáculo tão comum. Mais esquisito ainda, nem os historiadores que viveram nos mesmos anos de Jesus citaram alguma vez o Redentor: Séneca, Plutarco ou Fílon de Alexandria (judeo-helenista) simplesmente não ignoram todos os acontecimentos citados nos Evangelhos.

Apesar disso, na minha opinião Jesus foi uma figura realmente existida, embora os graves erros cronológicos contidos nos Evangelhos Canónicos. Eventualmente, o discurso é acerca de quem foi realmente o Cristo: eu tenho as minhas ideias, o Leitor terá as suas (e, apesar das minhas estarem certas, sou magnânimo e permito que o Leitor possa continuar a errar).

Os erros de Atwill

Doutro lado, se a ideia for provar que Jesus não existiu, seria melhor utilizar argumentos mais 
convincentes daqueles apresentados pelo autor deCovert Messiah.

Em primeiro lugar: os Romanos eram gente muito pragmática, sobretudo em termos militares. Democraticamente, ofereciam aos adversários sempre duas opções: ou submeter-se ou morrer.

Por alguma estranha razão, a maioria escolhia a primeira opção e os habitantes da antiga Palestina tinham feito mesmo isso: amplamente derrotados, tinham-se submetidos, deixando atrás apenas um grupo daquele que hoje seriam definidos como "terroristas".

Mas os Romanos não tinham necessidade de "inventar" uma nova religião: a Palestina já era controlada pelas forças do Império e quando os Romanos fartaram-se das rebeliões, simplesmente massacraram boa parte da população e proibiram aos restantes de morar em Jerusalém, a capital (135 d.C.). Este era o estilo romano, nunca teriam perdido tempo numa manobra tão sofisticada quando o problema podia ter sido resolvido de forma definitiva (como efectivamente aconteceu).

Outro ponto muito importante: Atwill parece desconhecer que quando Flávio Josefo escreveu as Guerra dos Judeus (no 75 d.C.), já Tácito tinha falado dos Cristãos (nos Annales 15,44, escritos no 64 d.C.).

E por qual razão os imperadores romanos decidiram perseguir os Cristãos (já a partir do 95 d.C.), se estes tinham sido uma criação da aristocracia de Roma? Domiciano, Trajano, Antonino Pio, Cómodo...?

E para acabar: Atwill supõe que Jesus foi inventado para atrair as setas mais militaristas, os "terroristas". No entanto, a figura de Jesus é precisamente o que os rebeldes menos teriam seguido, pois a figura do Cristo estava muito afastada dos ideais da guerra e do combate. Na verdade, a mensagem Dele era para as pessoas comuns e foi precisamente isso que aconteceu, como testemunhado pelos Evangelhos. Em suma: teria sido uma invenção totalmente errada e inútil.

Seria possível continuar, mas não é o caso. Acho que poucos exemplos demonstram a falta de bases para esta teoria.

Valores?

Então, tudo isso para dizer que Cristo realmente existiu e que não foi uma invenção dos Romanos?
Não, o discurso é mais profundo. Como afirmado: acho que Atwill erra na sua teoria, tal como Cristo provavelmente existiu (apesar da interpretação que cada um de nós pode atribuir-Lhe, mas este é outro assunto).

O que gostaria de realçar é que estamos perante, mais uma vez, dum ataque contra a religião cristã. Pode parecer curioso, sobretudo considerado que quem escreve nem cristão se considera (por isso: este artigo não deve ser entendido como uma defesa da Igreja cristã): mas na verdade o ataque contra a Igreja de Roma faz parte daquele que parece ser um projecto mais amplo e que tem como objectivo abater uma série de valores, aqueles sobre os quais regeu-se  a nossa sociedade até hoje.

Os valores não são absolutos: o que for o Bem hoje pode por absurdo tornar-se o Mal de amanhã. Por isso: os valores mudam com o tempo e e normal que assim seja. Mas é uma mudança lenta e, sobretudo, tem que nascer de forma espontânea do interior da sociedade.

Nos últimos tempos, pelo contrário, temos visto muitos valores serem postos em causa: o valor da família, do matrimónio, do sexo, da espiritualidade, da velhice. Tudo num espaço de tempo muito curto e
nem sempre (para não dizer quase nunca) com o consentimento da sociedade.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a união de casais homossexuais foi decidida não porque a maioria dos cidadãos assim quis (pois a maioria deles está contrária) mas com a via legislativa.
Agora, em discussão está a adopção de filhos por parte dos mesmos casais: tudo isso sem que a sociedade civil seja consultada.

Mais: surgiram organizações (até internacionais) que lutam para que a idade mínima para ter relacionamentos sexuais seja baixada até os 10 anos (no mundo há 33 organizações pedófilas reconhecidas e já houve o "Dia do Orgulho Pedófilo", 22 de Dezembro de 2012...). 

Que fique claro, não quero aqui pôr em causa os direitos dos homossexuais (dos pedófilos, pelo contrário, sim), o discurso é diferente: porque impor uma mudança de valores por via legislativa sem que seja a sociedade a exigir de forma natural tais mudanças? Quem decide isso? Qual a necessidade? Qual a finalidade?

As teorias de Atwill enquadram-se nesta tendência e com sucesso: é já o seu terceiro livro acerca do assunto e isso apesar dos evidentes erros e incongruências. E fazem parte duma complexa rede de teorias, todas florescidas nas últimas décadas, que têm como base minar os fundamentos religiosos. Assim: demonização do Islamismo dum lado, credibilidade abalada do Cristianismo do outro.

Acho isso curioso e bem pouco ingénuo.

E o Leitor? (sempre que tenha conseguido ler até aqui...)

Por enquanto: bom fim de semana para todos. 

Fontes: 

Covert MessiahPRWebCaesar Messiah, mais várias páginas de Wikiédia (versões inglesa e portuguesa)

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