quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Seymour Hersh: O verdadeiro jornalismo

Seymour Hersh é como um dinossauro, uma espécie em rápida via de extinção.

A espécie dos jornalistas que não ficam sentados na redação à espera de receber as notícias das várias agências de imprensa mas levantam-se e vão à procura das notícias. Seja onde for.

Foi assim que desvendou os factos de May Lai, quando o exército dos Estados Unidos massacrou 347 civis desarmados no Vietnam. E na mesma linha continuou ao longo das décadas, tornando-o um dos reportes mais conhecido do planeta:.foi ele, por exemplo, que publicou as fotografias dos mau-tratos na prisão iraquiana de Abu Ghraib, o que deu início ao escândalo nas Forças Armadas dos EUA.

Hersh publicará um novo livro nos próximos tempos e foi entrevistado pelo diário britânico The Guardian. Eis o artigo.

Seymour Hersh sobre Obama, NSA 
e os "patético" media americanos

Seymour Hersh tem algumas ideias radicais sobre a reorganização do jornalismo: fechar as redações da NBC e da ABC, despedir 90% dos redatores e voltar ao trabalho fundamental dos jornalistas que, segundo ele, é ser um outsider.

Não é preciso muito para fazer indignar Hersh, o jornalista investigativo que tem sido o inimigo dos presidentes dos Estados Unidos desde os Anos Sessenta e já foi descrito pelo Partido Republicano como "a coisa mais próxima dum terrorista que tem o jornalismo americano".

Está com raiva por causa da timidez dos jornalistas na América, da incapacidade de desafiar a Casa Branca e ser um mensageiro da verdade mesmo que impopular .

Nem o deixam escrever no New York Times que, segundo ele, vai "levar mais água ao moinho de Obama do que eu jamais pensei que eles poderiam fazer" ou acerca da morte de Osama bin Laden. "Nada aconteceu como foi contado, é uma grande mentira, nem uma única palavra é verdade" diz Hersh da dramática incursão, em 2011, das forças especiais de elite da Marinha os EUA .

Hersh está a escrever um livro sobre a segurança nacional e dedicou um capítulo à morte de Osama.

Afirma que dum recente relatório realizado por uma comissão paquistanesa "independente" acerca de Abottabad, onde Bin Laden estava escondido, não sobraria nada se cuidadosamente analisado.

"Os paquistaneses divulgaram um relatório, não me faça falar disso...vamos dizer assim: foi elaborado com uma considerável participação americana. É uma relação feito de idiotices [no original, o termo é muito mais "colorido", ndt]", diz antecipando as revelações do seu livro.

A Administração Obama mente sistematicamente, afirma, mas nenhum dos leviatãos media americanos, nem as redes de televisão, nem os principais meios de comunicação da imprensa, se atrevem a desafia-lo.

"É uma coisa patética , são mais do que obsequiosos , só têm medo de pegar nesse rapaz [Obama, ndt ]", afirma. "Era assim: quando havia uma situação em que algo muito dramático tinha acontecido, o presidente e os capangas ao seu redor tinham o controle da narrativa, sabias muito bem que teriam feito o seu melhor para contar a história directamente. Agora isso já não acontece."

Nem tem a certeza de que as recentes revelações sobre a profundidade e amplitude da vigilância da Agência de Segurança Nacional (NSA ) pode ter um efeito duradouro.

Snowden mudou o debate sobre a vigilância

É certo que a toupeira da NSA, Edward Snowden, "mudou toda a natureza do debate" acerca da vigilância. Hersh diz que ele e outros jornalistas haviam escrito acerca disso, mas Snowden foi fundamental porque forneceu provas documentais, embora Hersh esteja cético de que as revelações possam mudar a política do governo dos EUA:
Duncan Campbell [o repórter investigativo britânico do caso Zircon] , James Bamford [jornalista americano] e Julian Assange, tal como eu e o New Yorker, todos nós tínhamos a noção duma vigilância constante, mas ele [Snowden] exibiu os documentos e isso mudou toda a natureza do debate. É uma coisa real agora.
E acrescenta:
Os editores amam os documentos. Os editores que não valem nada não teriam tocar nestas histórias, mas com os documentos ele mudou todo o movimento da bola. Mas não sei se isso vai significar algo no longo prazo, por causa do que vejo na América: o presidente pode ainda dizer " Al-Qaeda, Al- Qaeda" e eu aposto que o público votará em favor deste tipo de vigilância , o que soa tão idiota.
Esperança da redenção

Apesar da sua preocupação com a timidez do jornalismo, acredita que o mercado ainda ofereça a esperança da redenção:
Tenho esse tipo de visão heurística sobre o jornalismo, talvez possamos oferecer a esperança, porque o mundo é claramente cada vez mais gerido por idiotas. O jornalismo não é sempre maravilhoso, não é mesmo, mas pelo menos podemos oferecer uma saída, um pouco de integridade.
A história de como descobriu as atrocidades de My Lai é um exemplo de jornalismo à moda antiga, tudo sapatos de couro e tenacidade. Voltando ao 1969, teve uma "dica" acerca dum comandante dum pelotão de 26 anos, William Calley, que tinha sido acusado pelo exército por um suposto assassinato em massa.

Em vez de pegar o telefone e ligar para um assessor de imprensa, pegou no carro e começou a procurá-lo no campo militar em Fort Benning, na Geórgia, onde tinha ouvido dizer de que o rapaz encontrava-se na prisão. Andou de porta em porta à procura em todo o vasto complexo, às vezes extorquiu informações, gritando quando foi o caso.

No final os esforços foram recompensados ​​com a publicação da sua primeira história no St. Louis Post Despatch, que mais tarde foi re-lançada ao mesmo tempo em toda a América e, eventualmente, lhe rendeu o Prêmio Pulitzer. "Tinha escrito cinco histórias. Eu pedi cem dólares para a primeira, no final o New York Times pagou 5.000 dólares".

Foi contratado pelo New York Times para acompanhar o escândalo Watergate e perseguiu Nixon até na Camboja. Quase trinta anos depois, Hersh recuperou os títulos de abertura do mundo, mais uma vez a fazer manchetes com a revelação sobre os abusos contra prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib.

Mais tempo

A sua mensagem para os estudantes de jornalismo é dedicar mais tempo. Ele sabia de Abu Ghraib cinco meses antes de poder escrever, depois de receber uma dica de um alto oficial do exército iraquiano que arriscou a vidas para contar-lhe sobre a forma como os prisioneiros haviam escrito para as famílias deles, pedindo-lhes para vir e matá-los, porque tinham sido "violados":
Levei cinco meses para encontrar alguns documentos, porque não há nada sem um documento, não se vai a lugar nenhum.
Hersh volta novamente o seu olhar sobre o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Tinha afirmado anteriormente que a confiança de que a imprensa norte-americana desafiasse o governo dos EUA entrou em colapso depois do 11 de Setembro, mas está convencido de que Obama é pior do que Bush:
Vocês acham que Obama será julgado com base em qualquer critério racional? Fechou Guantánamo? Por acaso acabou uma das guerras? Existe alguém que preste atenção ao Iraque? Fala seriamente sobre ir para a Síria?
Não ficamos tão bem nas 80 guerras em que estamos envolvidos agora, porque diabos quer envolver-se numa outra? O que está a acontecer [aos jornalistas]?
Afirma que o jornalismo investigativo nos Estados Unidos é morto por uma crise de confiança, falta de recursos e uma nocção errada de que o trabalho implica .
Parece- me que há demasiada procura para prémios. É jornalismo em busca do prémio Pulitzer, um jornalismo pré-confecionado, portanto escolhe-se um alvo mas é um caminho pelo qual passa-se incólume, e assim por diante, este é um problema sério, mas há também outras questões.

Por exemplo, no assassinar pessoas: como é que [Obama ] pode escapar com a história do programa dos drones , porque nós não fazemos mais? Como é que justifica o programa? Onde está a inteligência? Porque não vamos descobrir se essa política é boa ou ruim? Porque não fazemos o nosso trabalho?

A nossa tarefa é descobrir nós mesmos, o nosso trabalho não é apenas dizer "aqui está um debate". A nossa tarefa é ir além do debate e descobrir quem está certo e quem está errado sobre as questões. Isso não acontece o suficiente, isso custa dinheiro, custa tempo, põe em risco, aumenta os riscos. Há algumas pessoas, o New York Times ainda tem jornalistas investigativos, mas fazem muito mais para levar água ao moinho do presidente do que eu jamais pensei que acontecesse... é como se já ninguém se atrevesse a estar fora do coro.

E acrescenta que, até certo ponto, era mais fácil escrever sobre a administração do presidente George Bush: "Na era da de Bush, sinto que era muito mais fácil ser crítico do que com Obama. É muito mais difícil na era Obama".

Pergunta: qual é a solução?
Eu do a solução: livrar-se de 90% dos redactores que existem agora e começar a promover os redactores que não podem ser controlados. Eu vi no The New York Times, vejo que a ser promovidas são aquelas pessoas que são mais condescendente com o editor e com os editores seniores, enquanto aqueles que criam problemas não são promovidos. Comecem a promover as melhores pessoas, aquelas que olham nos teus olhos e dizem:"Eu não me importo com o que você diz".
E mais um pormenor interessante:
Também não é claro porque o Washington Post reteve o material de Snowden, até saber que o Guardian estava prestes a publicá-lo.
E acaba:
A república está em perigo, mentimos sobre tudo, a mentira tornou-se a pedra angular.
Fonte: http://informacaoincorrecta.blogspot.pt 

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