terça-feira, 20 de agosto de 2013

DENUNCIA: O fim da Segurança Social Caboverdeana – Parte 1


Fico sempre preocupado com o futuro da Segurança Social Caboverdeana. É curioso se pensares que a geração dos nossos avós quase não fez descontos. 

Os que fizeram estavam vinculados ao sistema Português. Agora existe a geração dos nossos pais: gente saudável, com uma esperança média de vida elevada e que não ganha mal. Já imaginaste quando tivermos que os reformar?”

O texto seguinte é um pequeno exercício de análise da situação do nosso país, no que toca a um caso que poderá ser a ponta de um iceberg de problemas que, caso não sejam tomadas as medidas necessárias, culminarão na falência do nosso sistema de segurança social e, consequentemente, o aparecimento de todos os conflitos normais em qualquer país falido.

Sei que o início parece apocalíptico. Porém, a interpretação do texto dependerá do leitor. Pode ser visto como um alerta para um conjunto de factos ocultos e perigosos ou então, de forma mais tranquila, pode ser considerado um delírio (mais um) de um jovem que leu demasiados livros de Dan Brown, Daniel Silva, José Rodrigues dos Santos ou outro qualquer conspirador da literatura moderna.

De qualquer forma, o texto será longo. Farei o meu melhor para não o tornar cansativo.

“A EDP, a ADP e qualquer outra empresa que não queira ajudar cabo verde deve imediatamente sair do país. Temos muitas praias que podem ser utilizadas para tal.”
José Maria Neves,2006.

Não me lembro da data exacta, não me recordo das palavras precisas. Mas foi esse o discurso. Rejubilámos com a mensagem nacionalista, mesmo não tendo a mínima noção de qual seria a solução. Engrandecemos a coragem do Primeiro Ministro, mesmo sabendo que os cinco anos de governação até então não tinham resolvido qualquer dos problemas fulcrais do país. 

Apenas sabíamos que não “seria possível continuarmos dessa forma” E, mais uma vez, o desespero falou mais alto. O Estado seria então o próximo investidor da Electra. Nas nossas mentes ficava a esperança de dias melhores, mais iluminados e com mais água.

No entanto, e infelizmente para o povo cabo-verdiano, os problemas são resolvidos após o seu estudo e conhecimento, aplicando medidas correctas, apostando nos melhores indivíduos. A demagogia e o discurso fácil nunca resolveram qualquer problema. Até hoje, manteve-se a demagogia, em tons mais refinados com José Maria Neves ou em tons mais agressivos com Humberto Brito. E, por isso, até hoje, mantém-se o problema.

“invistam em obrigações porque são títulos reembolsáveis mesmo que a empresa dê prejuízo.”
Veríssimo Pinto, antigo presidente da Bolsa de Valores de Cabo Verde, 2007

Atenção! Penso que é arriscado falar-se de pessoas que não possam defender as suas afirmações. Porém, Veríssimo Pinto é uma figura incontornável neste processo. Por isso temos que conhecer qual foi a sua posição na altura.

E assim começou a saga de investimento na Electra. A propaganda pretendia, de uma assentada, promover uma recém-criada (outros dirão ressuscitada) Bolsa de Valores de Cabo Verde e resolver o problema de financiamento da falida Electra. Veríssimo vendeu as obrigações da Electra no país e na Diáspora, como se de um corrector se tratasse. Por outro lado, a frase que foi o mote de toda a operação é uma verdade somente para quem muito superficialmente conhece os mercados financeiros. Perguntem ao senhor por que motivo o Governo Grego não paga as suas obrigações. 

Sempre achei cómicas as repetidas alusões à competência de Veríssimo para o cargo. E isso nada tem a ver com os recentes problemas judiciais em que está envolvido.
De qualquer forma, lá se foram vendendo obrigações da Electra, com uma taxa de cupão à volta de 7%. O Estado entraria com o restante montante e ficaria assim a empresa de energias dotada de capacidade para, de uma vez por todas, resolver os problemas do país.

Como tudo o que se faz em Cabo Verde, o assunto foi resolvido às escondidas do público, sem que ninguém soubesse ao certo como iria o Estado resolver o problema maior do país. Só que, como já diz o ditado popular, uma manta, quando é pequena, não chega para cobrir os pés e a cabeça.

Após a finalização das operações, em meados de 2008, chegava a altura do pagamento da primeira prestação, o primeiro cupão, da dívida obrigacionista. Claro está que não havia dinheiro para pagar! Ao atraso de 5 dias, justificou a administração da Electra como sendo um “normal atraso” no pagamento. 

Curioso. Hoje percebo bem que nessa empresa o atraso é …normal. Assim, foi encontrada uma solução. Seriam pagos os valores devidos aos obrigacionistas individuais e os obrigacionistas institucionais veriam as obrigações convertidas em acções.
Aqui começámos a perceber a gravidade da situação que podemos dissecar em 3 violações graves:

1. A Electra não consegue pagar as dívidas. No entanto, se não paga esta dívida, põe em causa todo o sistema financeiro, tão irresponsavelmente propalado na altura pelo Primeiro-ministro (“Queremos tornar Cabo Verde numa plataforma de serviços financeiros”), e a Bolsa de Valores perderia credibilidade já que, erradamente, tinha vendido a ideia de que as Obrigações eram sempre pagas. Assim, de modo a não pôr em causa a imagem, garantia-se a parte dos investidores individuais.

2. Os investidores institucionais são tão ou mais exigentes que os individuais. A questão aqui é que o investidor institucional, o único significativo, era o INPS. Para quem não saiba, o INPS gere todos os fundos obtidos através da cobrança dos valores da Segurança Social e garante as reformas, assistência social, comparticipação de medicamentos, etc. 

Embora seja do Estado, é um instituto que tem autonomia (ou deveria ter). Seria muito perigoso que se tornasse num instrumento político, à mercê das práticas do governo. O INPS tinha, na altura, fundos que correspondiam a um montante superior a 10% do PIB! O INPS, o dinheiro dos trabalhadores, foi utilizado para resolver um problema do governo.

3. A transformação de Obrigações em Acções é um processo comum nos mercados financeiros. Porém, tal situação só ocorre quando existe um contrato que assim preveja tal possibilidade e é, normalmente, acompanhada de um prémio de conversão. Das duas, uma:
ou houve uma violação e a conversão em acções deu-se, de facto, sem prévio aviso, o que mostra o amadorismo da situação, ou então havia um tal contrato que previsse essa situação.

Só que, e aqui entramos numa questão que tem a ver com a missão do próprio INPS e da sua legislação, O investimento em acções é considerado arriscado. O investimento em acções de uma empresa falida como a Electra é considerado um acto de loucura, normalmente associado a investidores de alto risco. Não é, ou não deveria ser, o caso do INPS!

Sim… o texto está longo. Mas esta pode ser a estória mais grave da história do país. Lembre-se: Mais vale perder aqui uns minutos do que perder anos a tentar perceber o que se passou quando, daqui a vinte anos, não receber a sua reforma.

2009 e 2010
“O dinheiro do INPS não pode ser brincadeira. Andam a brincar com o dinheiro dos trabalhadores. Deve-se investir em produtos de baixo risco e elevada rentabilidade.”
Carlos Veiga, EUA

“O INPS fez o investimento na Electra com o objectivo de lucrar e ajudar o País.”
Leonesa Fortes, RTP África

“Se um país não puder investir na sua empresa de água e electricidade, podemos fechar as portas.”
Veríssimo Pinto, RTP África

Foi um período fértil em loucura, tolice, amadorismo e muita irresponsabilidade dos discursos. Veiga deu o mote, de uma forma atabalhoada e errada. Na altura, tinha até confrontado o então candidato a PM na Universidade Lusófona, indicando o seu erro.
Hoje, lamentavelmente, posso afirmar que mais valia um Veiga que não soube explicar a situação do que o silêncio de todos os outros líderes, de Ulisses, Gualberto, Olavo Correia, Carlos Burgo, Cristina Duarte, que são formados na área. 

Não sou pretensioso ao ponto de achar que fui o único a ver este filme. Bem… sou um bocadinho só. Posso afirmar, no entanto, que foi graças a Carlos Veiga que o país passou a ter conhecimento da tramóia. Caso o líder do MPD não tivesse falado, tudo seria cozinhado no silêncio dos deuses.

Leonesa, presidente do INPS, cometia aqui dois erros numa curta frase. O primeiro tinha a ver com o tal “ajudar o país”. Esta era afirmação que mostrava que o INPS poderia estar à mercê das intenções do Governo. Não é papel do INPS ajudar o País. Ou melhor, o INPS só ajuda o País quando faz a melhor gestão possível dos fundos dos trabalhadores Caboverdeanos. Não ajuda comprando dívida da Electra.
O segundo erro é quando fala em lucrar com a Electra. O investimento em obrigações prevê lucros mínimos. O grande objectivo é mesmo a manutenção do capital ao longo dos anos. A assustadora verdade que se conhece nesta afirmação é que Leonesa e o INPS simplesmente meteram dinheiro na Electra por ordem do Governo sem saberem no que estavam a investir, obrigações ou acções.

Já Veríssimo mostrou que, para além de não ter grande competência para o cargo, tinha ainda o problema de estar a defender a atitude do governo, mesmo que isso pusesse em causa a credibilidade da sua instituição que devia ser autónoma e imparcial. Mas compreende-se que era necessário dar credibilidade à “coisa”. E, para o efeito, nada melhor que o jovem mais overated da história do país.

Com as eleições legislativas, a batalha da Cidadania de Aristides Lima, a surpreendente victória de Jorge Carlos Fonseca, o prémio de Pedro Pires para melhor líder Africano, o investimento do INPS na Electra foi esquecido. Segundo consta das poucas informações que se tem, foi pouco significativo. Seriam então 500.000 contos (quase 5Milhões de Euros). 

Embora o dinheiro não seja tão elevado, a questão aqui tem a ver com a violação dos princípios de autonomia das instituições do Estado, com a manipulação do dinheiro dos trabalhadores e com a abertura de um precedente perigosíssimo. Mas estas serão cenas de um próximo episódio, capítulo de amanhã desta novela ou acto seguinte desta trágica comédia Caboverdeana.

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